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Essa chuva que não passa - Saudável desconforto

Janaína Cunha Melo - EM Cultura



Espetáculo fala de perdas, de solidão e da luta do ser humano para se tornar independente

Curiosa a maneira do público de eleger suas vedetes. Nem sempre os melhores espetáculos são os mais prestigiados num evento como a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, que oferece mais de 100 atrações na programação. A aposta nas ofertas mais evidentes, que apontam para sucessos garantidos, de certo modo coíbe o risco das descobertas e induz a erros, como deixar no esquecimento produções primorosas, delicadas e intensas, como a peça Essa chuva que não passa, timidamente apresentada no Teatro Sesi Holcim, no Santa Efigênia. De hoje a quarta-feira, serão realizadas as últimas sessões com ingressos a preços populares.



Com texto inquietante e atuação competente de Thaís Inácio, o espetáculo transforma suposta aventura em experiência perturbadora, que vale a pena conferir. Afetados pela ausência dos pais, os irmãos Ana e Caio tentam, cada um à sua maneira, superar a perda. Ana optou pelo recolhimento e vasculha memórias do passado remoto. Na perigosa fronteira entre sanidade e loucura, ela tem em Caio a representação simbólica da rotina familiar que insiste em manter até como forma de preservar a própria razão de existir. Ele, por sua vez, quer encontrar outros caminhos e está disposto a enfrentar desafios maiores que as paredes de sua casa, de onde sai todos os dias para trabalhar, a despeito da insegurança da irmã. Sempre volta, até que surge o convite para uma viagem profissional. Não há data para regressar. 



Aceitar a proposta é uma decisão difícil para ambos. Ela acredita que precisa de Caio, incondicionalmente. Ele sabe que, se não romper o ciclo de dependência, nenhum dos dois conseguirá vencer a própria solidão, a angústia diante do vazio incompreensível, a busca interminável pelo amor de quem não virá. Nesse afastamento estão as sensações de abandono e de ressentimento. Além do medo de fazer escolhas a partir do nada, ou quase nada que resta depois de uma ruptura importante.



O espetáculo tem dramaturgia compartilhada por Thaís Inácio, Diones Tavares, Eduardo Vaccari e Daniel Archangelo. A direção é assinada por Eduardo Vaccari. Com pouco mais de uma hora de duração, o drama desperta para abismos emocionais, o que comove a plateia. Há momentos de riso, mas a graça é nervosa e surge mais como pausa para a respiração, como o silêncio oportuno que pontua diferentes sentimentos nas grandes sinfonias. 



Pelo esforço empreendido e o resultado da pesquisa do grupo, Essa chuva que não passa merecia estar entre os recordistas de público na campanha deste ano. Mas seu convite ao desconforto é uma provocação que demanda tempo e vontade.





Publicado no Jornal Estado de Minas dia 01/03/2010 no Caderno EM Cultura.

 

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Essa Chuva Que Não Passa leva ao palco o aspecto mais seminal do Teatro



De volta a BH, Essa Chuva Que Não Passa é um espetáculo de questionamentos e possibilidades cênicas

Ana e Caio são personagens de contornos bem definidos, e ao mesmo tempo síntese de reflexões globais. Irmãos, representam os duos homem-mulher, fala-silêncio, mãe-filho, para não falar de inúmeras outras possibilidades.

Essa Chuva Que Não Passa, espetáculo em cartaz até o começo de março no Teatro Sesi Holcim (dentro da Campanha de Popularização do Teatro), é tudo aquilo que o público pode esperar de uma obra cênica minuciosa e baseada em estudos e possibilidades técnicas.

-Para quando tá marcada a sua passagem?
-Três dias
-Quando cê volta?
-Sem previsão

A começar pela temática, Eduardo Vaccari (diretor) se apoia no embrião familiar para tecer um texto rico em interpretações. Ana, uma jovem garota emocionalmente dependente de seu irmão Caio, contrapõe a reclusão e economia de diálogos do mesmo, com expressões e verborragia quase materna. Presos a um espaço, vivem o questionamento dúbio de se libertarem física e memorialmente de seus laços com os pais.

O tempo todo Ana reconfigura o espaço da casa. Pequena e bem delimitada por simetrias, enjaula os irmãos até que Caio decide por fim ao jogo, desfazendo espaços e memórias.

Um dos principais pontos de Essa Chuva Que Não Passa refere-se à cenografia. O espaço, preenchido por fita crepe e dotado de memoriabilias, é forte elemento de narrativa, e força os atores a manipulação constante, assim como iluminação, que complementa e pontua o texto teatral. Eduardo Vaccari enfatiza isso: “Chegamos a uma linguagem intimista onde os atores comandam toda interferência na cena, potencializando desta forma a aproximação com o público”.

Um projetor se torna uma cápsula de memória, exibindo o íntimo dos irmãos. Cantigas, a refeição quase publicitária, um instrumento musical, e mesmo epístolas disfarçadas de bilhetes são uma estética de cores pungentes e linguagens vivas.

Valendo-se ainda de recursos multimidiáticos, a narrativa torna-se revigorante. São utilizados objetos eletrônicos de fácil manipulação, para causar identificação com o público. "Todos temos alguns destes em casa”, afirma o ator Dionis Tavares, que interpreta Caio na trama.

Deitada sobre uma miríade de fotografias, Ana embarca no jogo de Caio e imagina-se se libertando de seu lugar-comum. Por fim, sintetiza o desconforto e medo que qualquer um sente ao arriscar um recomeço incerto e desconhecido.

Vale ressaltar que Essa Chuva Que Não Passa ganha ainda mais em sua construção quando propõe ao público uma leitura de si mesmo. Com um texto rico de identificações, não é difícil reconhecer nos dois personagens traços e comportamentos pessoais. Thaís Inácio, a Ana, reforça: “Tenho uma relação com a memória que é muito forte em Ana, e fui trabalhando isto durante a construção do espetáculo”.

Salomão - Jornalista, com pós em Jornalismo e Cultura, amante de literatura, música e tecnologia. Também é editor da Revista Opperaa.

 

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Conflito de irmãos durante ‘chuva que não passa’


O espetáculo “Essa Chuva que não Passa”, que esteve em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, prepara-se para uma curta temporada no Teatro Sesi Holcim, em Belo Horizonte. Com apresentações até o próximo dia 18 de outubro, o espetáculo promete uma reflexão no público local com sua proposta intimista, utilizando recursos multimídia para contar o conflito entre dois irmãos.
A peça traz a cena uma linguagem contemporânea para desenvolver a relação entre Caio e Ana, que vivem presos em um ambiente familiar embora ‘inexistente’ criado pela jovem. Quando Caio decide ir embora começa todo o conflito do espetáculo que por meio do texto rico em signos, que vão muito além da proposta, pontua o jogo entre os irmãos e a partir daí ceder transforma-se em uma espera que nunca passa.
A iluminação de Rodrigo Torres é precisa na hora de criar os ambientes e torna-se ainda mais criativa e útil para a cena quando os próprios atores acendem e apagam os holofotes como se estivessem de fato dentro de uma casa de acordo com a proposta de ambientação cênica. A direção de Eduardo Vaccari é sutil, mas rica em uma simbologia estética que enriquece o conflito com as suas marcas imprevisíveis cumprida de forma satisfatória pelos atores.
A cenografia de Bia Barbiere e Elisa Emmel não é obvia, e com isso gera algumas interrogações sobre o ambiente, embora considere útil para os atores nos momentos de troca da ambientação cênica, porém, o excesso de subjetividade cenográfica gera dúvidas durante a execução das cenas. Utilizar recursos multimídia também é bom desde que seja um elemento contador da história, quando os personagens passam a assistir ao que esta sendo apresentado, a proposta vai toda por água abaixo.
Dionis Tavares (Caio) e Thaís Inácio (Ana) são uma boa dupla de atores que respiram de forma correta e sabem pontuar bem o texto. Em sintonia com a proposta, os atores de fato passam muito verdade cênica, embora Dionis renda um pouco mais no que se refere à potência vocal. O excesso de olhares para o público, também é algo que precisa sofrer reparos por parte da direção, pois em uma linguagem intimista uma simples reação vira lente de aumento e tira o espectador do que está sendo dito.
"Essa Chuva que não Passa" é um bom espetáculo com uma proposta inteligente e rica de uma simbologia única, porém precisa ser cuidadosa com o excesso de subjetividade.

Leandro Bertholini - Editor, redator e crítico do blog Teatro em Palavras



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